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“O Brasil se tornou um laboratório de criatividade contábil”

O administrador com especialização em finanças, Luiz Fernando Figueiredo, foi diretor do Banco Central (BC) entre 1999 e 2003. Com a experiência de ter ocupado uma das nove cadeiras do Comitê de Política Monetária, ele afirma que, até o ano passad

O administrador com especialização em finanças, Luiz Fernando Figueiredo, foi diretor do Banco Central (BC) entre 1999 e 2003. Com a experiência de ter ocupado uma das nove cadeiras do Comitê de Política Monetária, ele afirma que, até o ano passado, o BC estava preso a um modelo desenvolvimentista equivocado. “Se havia pressão ou não, ninguém sabe”, diz Figueiredo. “O ponto é que aquele ambiente tornava muito difícil o trabalho do BC.” Neste ano, a taxa básica de juros subiu 2 pontos percentuais, para 14,25%, patamar que se manteve inalterado na penúltima reunião de 2015, realizada na semana passada. Sócio-fundador da Mauá Capital, gestora de fundos de investimento com uma carteira de R$ 1,6 bilhão, ele enxerga um cenário positivo para o Brasil em médio e longo prazos. Isso porque o País está enfrentando seus problemas e retirando a sujeira que foi jogada sob o tapete. Corrupção e maquiagem fiscal, por exemplo, passaram a ser discutidas e repudiadas pela sociedade. “Não tem nada mais mal visto, hoje, do que fazer pedalada”, afirma. “Há um ano, o governo estava mandando pau.” No entanto, antes de iniciar um novo ciclo de expansão, será preciso pagar a dolorosa conta dos últimos anos, diz, na entrevista a seguir.

DINHEIRO – O sr. está otimista com o Brasil?
LUIZ FERNANDO FIGUEIREDO –
Vejo de uma maneira muito positiva o que está acontecendo. Mas não estou olhando em seis meses, nem para os próximos dois anos. Olho o Brasil de cinco a dez anos. Muitos podem dizer que isso não importa, o que importa é o curto prazo. Depende, porque o curto prazo pode definir um futuro muito ruim. O que estamos vivendo hoje é o fim de um ciclo, de maneira dramática, para entrarmos num novo ciclo que é muito favorável para o Brasil.

DINHEIRO – Como enxergar o futuro promissor se o governo não consegue fazer os mínimos ajustes?
FIGUEIREDO –
O governo, apesar de tudo o que falou na campanha eleitoral, está tentando fazer um enorme ajuste na economia. O Brasil, no final do ano passado, estava absolutamente fragilizado. As contas externas não paravam de crescer; o câmbio era muito apreciado; as tarifas públicas estavam superdefasadas; a Petrobras estava absolutamente quebrada; e os bancos públicos emprestavam com uma velocidade que não era compatível com o momento do País. Além disso, a política monetária não propiciava o declínio da inflação e a política fiscal estava descontrolada.

DINHEIRO – Mas o que mudou de janeiro para cá?
FIGUEIREDO –
O que aconteceu é que se colocou um ministro da Fazenda que é o melhor cara possível para fazer um trabalho absolutamente necessário. A partir daí, houve uma certa racionalidade na política econômica. A entrada de Joaquim Levy também propiciou que o Banco Central pudesse agir de uma forma mais tranquila e dentro dos seus objetivos. O que, de fato, começou a acontecer, com uma outra taxa de câmbio e as contas externas saudáveis. Ou seja, o ajuste externo já aconteceu.

DINHEIRO – O presidente do BC, Alexandre Tombini, não deveria ter sido substituído?
FIGUEIREDO –
Essa é uma discussão que não tem sentido. O Tombini ficou, fez o trabalho e está aí o resultado. Ficou claro que o BC está com mais condições do que tinha antes. Se havia pressão ou não, ninguém sabe. O ponto é que aquele ambiente desenvolvimentista, de políticas equivocadas e superexpansionistas, quando se tem uma inflação muito alta, tornava muito difícil o trabalho. As ideias mudaram e o BC foi lá e fez direitinho. Agora, parou de subir os juros porque não tinha de subir mais mesmo. Hoje, não estamos mais com um problema de política monetária neutra ou frouxa. Está bastante apertada. A inflação não cede em razão dos choques de tarifas e do câmbio. O que o mercado olha é a convergência da inflação para bem perto da meta nos próximos anos. Ano que vem ainda será difícil. Chegar em 4,5%? Nem um herói vai conseguir.

DINHEIRO – Por que a situação fiscal foi piorando durante este ano?
FIGUEIREDO –
O que foi feito com a política fiscal foi um desastre. A situação era muito pior, por conta das maquiagens, mas muito pior do que se imaginava. Mesmo um cara que conhece o detalhe, que é o Joaquim Levy, que já fez isso superbem, também foi entendendo ao longo do tempo. Associado a todo esse processo, há uma queda muito relevante da popularidade do governo. E uma série de erros gritantes de articulação política, o que faz o Executivo ficar à mercê do Congresso, numa situação de muita dificuldade. Isso tudo somado a uma corrupção que nunca se viu. É algo que dá vergonha para nós, brasileiros, ver essa corrupção sistêmica e impregnada.

DINHEIRO – A Operação Lava-Jato vai conseguir, pelo menos, reduzir essa corrupção?
FIGUEIREDO –
Já está. Costumo dizer que a corrupção, hoje, é a mais baixa da história. Porque a chance de ser pego é grande, algo que nunca aconteceu. O maior problema do Brasil é a impunidade. As pessoas são impunes, de maneira geral. No início de seu governo, o presidente Lula disse que caixa 2 era normal e todo mundo fazia, o que não foi um bom exemplo para o País. O tamanho da corrupção teve um impacto grande na atividade econômica. É algo entre R$ 130 bilhões de frustração de receita, é muita coisa. A lógica, muito correta, que o ministro Joaquim Levy teve, é fazer vários ajustes e preservar os fundamentos do Brasil, que estão mais fragilizados.

DINHEIRO – O Brasil ainda tem tempo para fazer os ajustes necessários?
FIGUEIREDO –
Do ponto de vista de fundamentos, o Brasil ainda é robusto. Quer dizer que temos tempo. Não vamos cair no precipício daqui a seis meses. Claro, se voltarem as políticas equivocadas, em três anos a gente cai. Mas as contas externas estão ajustadas, com um volume enorme de reservas. A política monetária vai dar conta, sim, da inflação convergir, mesmo que mais lentamente, para o centro da meta. Os bancos públicos estão em um processo de ajuste. E a questão da Petrobras está sendo resolvida.

DINHEIRO – O trabalho do presidente da Petrobras, Aldemir Bendini, tem surtido efeito?
FIGUEIREDO –
Foram vários anos de lambança. Os controles foram destruídos. Tem de reconstruir. Uma das maiores empresas do mundo é, talvez, a mais complexa. Vamos combinar que não é um problema simples. O Brasil hoje tem problemas simples de resolver. Precisa querer e fazer. Agora, a Petrobras é um problema complexo. Então demanda tempo e esforço. E ele está indo nessa direção.

DINHEIRO – O Brasil está próximo de se transformar numa Argentina?
FIGUEIREDO –
As instituições foram atropeladas na Argentina e na Venezuela. Não houve reação. No Brasil, elas também foram, mas reagiram. Do ponto de vista institucional, não é possível que se manipule como nesses países. O que aconteceu com os governos e o partido no poder que levaram os dois países para o buraco? Ficaram fortalecidos, enquanto que no Brasil é exatamente o oposto. O governo, por conta de tudo o que foi feito, está com uma popularidade muito baixa. O PT, depois das eleições municipais no ano que vem, vai fazer a conta de quantos representantes perdeu comparado há quatro anos. A diminuição será muito grande porque foi um conjunto de políticas na direção errada.

DINHEIRO – Quantos anos o País regrediu com essa crise?
FIGUEIREDO –
Não gosto de falar isso. O Brasil, provavelmente, precisava passar por isso. Sofrer um pouco menos é melhor, claro. Mas qual é o preço de gerar consciência e melhorar a cultura de uma sociedade? Talvez valha a pena pagar um preço alto por um grande ajuste. A Lava Jato poderia ter sido abortada há um ano e meio e nada disso do que estamos vendo teria acontecido. Mas, não foi. Nesse sentido, é um mérito da presidente.

DINHEIRO – O sr. acredita no impeachment da presidente Dilma?
FIGUEIREDO –
Não entendo do processo. O que o País está vivendo, que não é uma piora linear, mas em degraus profundos, não permite uma convivência com a situação atual por três anos. O que vai acontecer? Pode ser que o governo consiga uma guinada com as aprovações dos ajustes e, minimamente, ocorra uma melhora. Outra é o impeachment ou a renúncia. Tem a possibilidade desse processo todo nos levar a algo pior. Mas, na minha visão, o País não aguenta três anos.

DINHEIRO – A presidente Dilma tem razão em enfrentar o PT e garantir o ministro Levy?
FIGUEIREDO –
Ele é a melhor pessoa para estar lá, realmente. O Joaquim representa um tipo de política e a saída dele é uma quebra. Reduz a simbologia do ajuste e da direção correta. Então, ele é muito relevante, por ser quem é e pela linha que está sendo seguida. Agora, se for olhar bem, boa parte do Congresso é contra essa política. O PT está contra. O ex-presidente Lula está contra. A presidente Dilma está sozinha. Na minha avaliação, ela sabe que se der uma guinada para o lado populista, que é o que o PT e o Lula estão pregando, é sim, se jogar no precipício. Do ponto de vista de governo, não do País. Ela, felizmente, sabe disso, se não já teria feito. Gosto de olhar as coisas como um processo, que nem sempre é fácil, rápido e indolor.

DINHEIRO – Veremos um novo ciclo de expansão sem as commodities?
FIGUEIREDO –
Aquilo foi uma fantasia temporária. Durante um período muito grande, a China multiplicou por cinco o valor das commodities e o Brasil viveu um boom muito bom. Não é que o mundo está nos afetando. Nós não nos preparamos para o mundo real. Enquanto o governo fazia uma série de medidas na direção errada, colocava a culpa no que acontecia lá fora. O caminho era correto, mas fui atrapalhado pelo exterior. Agora mudou 180º porque o mundo deixou de atrapalhar? Não, porque estavam errados. Não tem nada mais equivocada do que a Nova Matriz Econômica. Hoje, não tem nada mais mal visto do que fazer pedalada. Há um ano, o governo estava mandando pau. No final, estamos finalizando um ciclo. O Brasil se tornou um laboratório de criatividade contábil e de uma série de coisas ruins. Esse laboratório explodiu, deu errado. Vamos entrar num novo ciclo em que as coisas erradas não vão ser mais admitidas.